segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

os cinco sentidos

quando eu dava aula de ciências em Curitiba, umas das partes do planejamente anual do 2º ano que eu mais gostava era a parte dos cinco sentidos. eu achava o máximo fazer aquelas atividades em que as crianças ficavam de olhos vendados, tentando descobrir do que eram os cheiros que estavam sentindo; ou tateando objetos dentro de uma sacolinha escura. achava muito bonito ver como eles ainda não tinham certeza se uma coisa era lisa ou áspera. nos esquecemos disso, mas os sentidos são o nosso primeiro repertório cultural, por assim dizer. precisamos criá-lo com experiências. como vamos saber, aos vinte e poucos anos, qual é o gosto de uma chave, se aos poucos meses de idade não enfiamos uma na boca?
esse é um assunto recorrente nos meus pensamentos ao léo: será que em algum momento paramos de juntar sensações que entram para o nosso repertório fixo? será que começamos a nos esquecer de como as coisas se sentem depois de algum tempo? reativei o tema ontem, vendo La vida empieza hoy.


é um filme muito doce, sobre aprender a lidar com a velhice. e sobre fazer sexo na velhice. fiquei tão envolvida que, depois de tentar sentir as coisas "plumita" (como uma pena, mal encostando), como a professora do filme recomenda, decidi tomar banho de olhos fechados, como se eu fosse cega. parece fácil: é fácil. mas é ótimo, as sensações mudam. o repertório leva uma sacudida. percebi 1. que minha memória (mesmo a de curto prazo) é muito visual: logo depois de me ensaboar, eu já não lembrava onde tinha colocado o tubo de sabonete; 2. como decorrência de 1, que muitos dos objetos/espaços que tenho na memória são diferentes na realidade: o puxador da porta do armário atrás do espelho tem outra forma e é em outro lugar do que eu lembrava; 3. que a sensação de luz fica completamente diferente: o tempo todo eu achei que tinha uma luz ligada no banheiro, e não tinha. há muito mais coisas que se sente na hora, mas acho que elas não são descritíveis de maneira tão fácil; elas só jogam uma luz diferente sobre o igual.
nos últimos anos - talvez motivada por aquelas mesmas aulas de ciências - eu tenho feito várias dessas experiências. quando o meu pai dispensou a cadeira de rodas que usava pra andar dentro do apartamento, eu passei um dia dentro dela, vendo como era fazer tudo sem mexer as pernas; desde que moro com Rodrigo, muitas vezes treinamos para a vida quando um de nós ficar paralítico. ele faz tranças no meu cabelo, eu faço a barba dele. minha mãe acha essas brincadeiras meio macabras, mas eu tenho a impressão de que além de mudar o meu repertório de sensações, elas me fazem entender um pouco melhor as outras pessoas.